Separado, desempregado, bêbado, acusado de haver estrupado uma jovem aluna. Pois é, David Gale estava praticamente no fundo do poço. Essas atribuições foram extensamente usadas contra ele nos julgamentos a que foi submetido – o do tribunal e o moral, em que todos se sentiam no direito de ser juízes.
Em contraponto a isso estava o fato de ele ser um renomado professor universitário, um grande intelectual, o melhor da sua classe em Harvard e o autor de dois livros publicados, como disse o próprio Zack, estagiário que vai com Bitsey ao encontro de Gale. Ele ainda completa: “isso não faz o menor sentido”, referindo-se à possibilidade de Gale realmente ter abusado sexualmente e matado sua companheira de militância de forma tão cruel.
Recorrer a características pessoais de alguém ou à função por ela exercida constitui um tipo de falácia. Por que um bêbado desempregado poderia cometer um crime monstruoso e um professor universitário não? O autor da falácia se aproveita das circunstâncias da pessoa de quem fala para provar sua tese – que nada tem a ver com essas características.
Analisando o primeiro caso aqui citado, temos:
- Gale é um homem separado, desempregado, bêbado, acusado de haver estrupado uma aluna.
- Gale foi acusado de ter matado e violentado sexualmente sua amiga.
- Gale é culpado.
Lembrando que Berlin (a aluna) retirou a queixa contra ele, a primeira premissa não está em nada relacionada com a segunda e não poderia ser levada em conta para chegar à dita conclusão. É uma falácia de ataque ao homem (argumentum ad hominem para quem gosta de latim), em que o locutor em vez de usar provas que legitimamente refutem a afirmativa de uma pessoa – no caso, de David Gale, que se diz inocente – ataca essa pessoa.
Parte xis
A argumentação no filme A Vida de David Gale é permeada por falácias de todos os tipos. Identifiquei algumas, mas só analisei algumas. Quer mais exemplos de falácias? Aqui estão mais alguns:
· Apelo ao povo: “66% of all Americans are favor to death penalty”, repórter iniciando cobertura da execução de David Gale.
· Apelo à ignorância: “ainda não foi provado que a pena de morte diminui a criminalidade”, Gale defendendo o fim desse tipo de penalidade.
· Uso de autoridade de fora a área: citações de Hitler e Gandhi durante debate televisivo sobre a pena de morte entre Gale e o governador.
Mas a falácia que mais se faz presente e que é mais clara é aquela em que se usam frases consagradas pelo senso-comum como premissa. “Olho por olho dente por dente” é apenas um exemplo. Esse pensamento suscita comentários como “uma injeção é pouco, deveriam usar uma picareta”, feito por um entrevistado que estava em frente ao prédio onde David Gale seria executado. Bom, se isso fosse para ser seguido à risca, uma picareta não substitui assédio sexual e sufocamento de forma alguma…
Bom, ainda há várias falácias escondidas pelo filme convencendo espectadores pelo mundo afora. Se for assistir ao filme de novo, fique esperto e pegue mais uma.
Por Carla Peralva, que contribui para falácias de apelo ao povo (veja por quê)
De como ser falacioso – Parte I
De como ser falacioso – Parte II