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“ACM de adereços fluorescentes”, por Daniela Pinheiro

Revista Piauí, número 23, agosto de 2008.

Reportagem encontrada em: http://www.revistapiaui.com.br/artigo.aspx?id=721&anteriores=1&anterior=82008

Na política, assim como no jornalismo, é sempre difícil manter-se imparcial. Inevitavelmente, temos nossas empatias por um ou outro candidato, por uma ou outra corrente ideológica e por este ou aquele partido. Partindo desse pressuposto, a construção do perfil de um postulante a prefeitura de uma das cidades mais relevantes do Brasil, Salvador, é traiçoeira. A jornalista Daniela Pinheiro, encarregada da tarefa, não consegue deixar de manter uma hipótese que permeia todo o seu texto: se o carlismo e ACM estão mortos, qual a força política de um candidato umbilicalmente ligado a esse movimento? Onde pode se localizar o novo dentro de uma tradição combatida por cerca de 24% do eleitorado soteropolitano?

A reportagem, intitulada “ACM de adereços fluorescentes”, dá início a sua argumentação logo no primeiro parágrafo, de um modo sutil. O túmulo do governador Antonio Carlos Magalhães, morto há um ano, é descrito em sua decadência e aparência mal-cuidada. Faltam-lhe homenagens públicas. ACM e o carlismo são considerados, portanto, mortos e enterrados. Será?

O início do fim

A reportagem foi publicada na revista piauí de agosto de 2008, na seção lá vêm as eleições. Essa é uma seção não habitual dentro da revista e foi criada especialmente para abrigar essa matéria. A foto que ilustra a reportagem conversa perfeitamente com o título. Apesar dos adereços fluorescentes se referirem, na verdade, ao tênis usado pelo deputado federal (posto que ele ocupa atualmente) durante um evento nas ruas da cidade, a imagem traz o candidato rodeado por baianas com adereços bastante coloridos. Também é passada a idéia de um ACM Neto jovial e simpático, características essas que são transmitidas aos leitores durante toda a narrativa.

Já o olho da matéria traz um dos aspectos mais evidentes na maneira de se posicionar da repórter Daniela Pinheiro. Enquanto quase todos os seguidores do jornalismo literário utilizam um de seus principais fundamentos, a inserção do repórter na narrativa, Pinheiro busca quase sempre o oposto. Em raros momentos, ela denuncia sua presença efetiva no local, tendendo, quase sempre, a narrar acontecimentos e fatos como se na verdade ela não estivesse ali.

Na apresentação do candidato, as aspas são usadas para indicar que não é ela que está dando as características de “inovador” e “focado em resultados” a ele, mas outra pessoa. Como, a essa altura do texto, ainda não é possível saber quem atribui essas qualidades ao aspirante a um cargo administrativo, o leitor fica um pouco confuso. Quem diz, nesse momento, que ACM Neto é inovador, se não a repórter?

Esse distanciamento controlado, no entanto, funciona muito melhor no restante da matéria. E, apesar desta pequena ruptura com o padrão do jornalismo literário (que, efetivamente, tem seu charme em não ter muitos padrões), outras regras que comumente se atribui a esse modo de se fazer jornalismo são observadas. Como, por exemplo, a humanização da personagem.

No meio de uma conversa entre a jornalista e o candidato, no apartamento do último em Salvador, o diálogo é subitamente interrompido pelo choro da filha do deputado federal, que prontamente se levantou para checar os cuidados com a menina. A situação não revela nenhuma característica política dele, e sim seu aspecto humano e familiar, através do contato com parentes.

Quem está vivo sempre aparece

Outro elemento do jornalismo literário largamente utilizado durante a reportagem é a descrição detalhada de ambientes, roupas e gestos, como método de caracterização da personagem por imagens que vão além das palavras. Como sempre imaginamos os políticos vestidos de terno e gravata, Daniela Pinheiro quebra esse estigma ao apresentar ACM em sua casa, numa noite de sábado, vestindo chinelos e bermuda.

O texto é estruturado em quatro partes. Na primeira parte, o candidato, sua campanha e métodos do patriarca da família são apresentados enquanto há a descrição de um evento tradicional da política baiana, o cortejo de 2 de julho, o qual comemora o fim da guerra que expulsou os portugueses da Bahia.

“Em termos de idéias, o carlismo tem como divisa o “vago” bem do Brasil.” Essa é a descrição ideológica atribuída, na reportagem, ao movimento. Além disso, outros defeitos são acrescentados à ACM (o avô), por exemplo, “protótipo do cacique provinciano”. Como estocada final, está o fato de que, pela segunda vez em quase duas décadas, os Democratas (ex-PFL) não estavam à frente do cortejo, destinada aos partidos do governador e do prefeito do Estado, nessa ordem.

O segundo trecho dá atenção especial aos problemas familiares após o falecimento de ACM. Em meio a briga pública pelo espólio, Daniela Pinheiro insere no texto as sutilezas das trocas de poder e as relações nem sempre honestas entre políticos e empresários. Uma acusação formal, no entanto, nunca é feita. Isso acontece porque se supõe que o leitor da piauí tenha consciência política e um mínimo de informação sobre os bastidores do poder, para assim poder logo ler, nas entrelinhas, as maracutaias da vida pública brasileira.

A partir da terceira parte, as respostas para as perguntas feitas no início dessa crítica começam a ser respondidas. Ao apresentar a construção de sua carreira na vida política do país, vê-se logo que existe, por parte de assessores e do próprio ACM, a tentativa de distanciar sua imagem da de seu avô, pois seguir à risca os preceitos utilizados anteriormente não teriam resultado. Como diz o próprio candidato, “o estilo de Antonio Carlos não pode nem deve ser imitado, por ter envelhecido” e o contexto político ser outro.

Ainda assim, a argumentação, apresentada sempre sob diversas vozes, como a da mãe de ACM Neto e de Jacques Wagner, governador da Bahia, mas nunca a da jornalista, deixa claro: sua trajetória política se deve principalmente ao proeminente ex-governador morto e não há como fazer uma ruptura desse nível de repente. É necessário cautela ao introduzir o espírito de inovação em sua campanha.

Portanto, se à política de Antonio Carlos faltavam traços de honestidade, idéia bastante reforçada durante o texto, é no mérito de seu próprio trabalho que o neto tentará reverter essa aversão ao nome familiar. Atribuindo a si próprio a característica de obstinado, capacitado e capaz de reagir bem na adversidade, o candidato aponta feitos, entre eles o destaque obtido por seu trabalho em uma CPI, como qualidades capazes de reverter a possível (e até provável) ojeriza que seu sobrenome evoca.

A reportagem se encerra dando seqüência a sua abertura e enfim a jornalista enuncia a pergunta implítica em toda a formulação e estruturação do conteúdo : como o velho, representado pelos políticos do establishment do avô ainda ao lado de ACM, pode conviver com as qualidades de inovador e diferenciado, as quais são atribuídas a si mesmo pelo próprio aspirante a prefeito.

Segundo Antonio Carlos Magalhães Neto, esses antigos parceiros são necessários para quebrar eventuais desconfianças, afinal ele só tem 29 anos. A volta do carlismo, se bem que não nos moldes estabelecidos pela família, fica no ar na última frase da matéria: “Ainda não sou o líder do grupo, mas estamos vivendo a transição.” O sucesso nas pesquisas indica que não é dessa vez que a tradição política dos Magalhães na Bahia morreu. Então, só se pode entender que o carlismo versão ACM Neto nos espera.

Por Tainara Machado

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